terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Sobre o 'voo da premonição' e o bom negócio das profecias

Edição em inglês das profecias de Nostradamus, datada de 1672
Foto: Reprodução

Surpreendendo a absolutamente ninguém, nenhum avião colidiu com nenhum edifício na Avenida Paulista, na quarta-feira passada, contradizendo uma “previsão” amplamente divulgada pelas redes sociais, na mídia popular e que chegou a ser afixada no elevador de um condomínio da região “visada”. Há notícias de que pelo menos uma empresa da localidade decidiu dar folga aos funcionários, por via das dúvidas.

Prever tragédias é, apesar das aparências em contrário, um negócio relativamente seguro. Se elas se concretizam, você acertou; se não, foi porque as pessoas levaram seu aviso a sério e tomaram medidas preventivas. Medidas essas que podem ser qualquer coisa, de salvaguardas tecnológicas a círculos de oração, “energia positiva”, exorcismos.

Na década de 50, o psicólogo americano Leon Festinger documentou como um grupo de fanáticos por óvnis, convencido de que o mundo acabaria numa data predeterminada, racionalizou a ausência do apocalipse como uma “segunda chance” dada à humanidade – graças, exatamente, à fé demonstrada pelo próprio grupo: eles não só estavam certos, como ainda tinham salvado o planeta!

Festinger usou essa experiência para moldar sua teoria da dissonância cognitiva, um mecanismo psicológico que permite acomodar contradições claras entre fatos inegáveis e crenças arraigadas, de modo a salvaguardar as crenças, a despeito dos fatos.

Nem sempre é fácil determinar onde acaba a dissonância, digamos, “legítima” e onde começa a má-fé pura e simples: o autoengano pode ser muito poderoso, ainda mais quando a mentira, assumida como verdade, traz benefícios – materiais e emocionais — a quem a alimenta.

Mostrar-se ousado, fazendo afirmações categóricas sobre o futuro incerto, expondo-se ao risco aparente de ser desmentido pelos acontecimentos, é um poderoso estímulo para o ego. Ao mesmo tempo, é reconfortante saber que, confirme-se ou não a profecia, haverá algum crédito a reivindicar: seja o de antecipar o problema, seja o de abrir caminho para a solução. Para além de videntes e profetas, não são poucos os altos executivos, políticos e economistas que se deixam seduzir por uma situação assim, que no fim se resume a “cara eu ganho, coroa eu não perco”.

Os problemas de ceder à tentação de virar profeta do caos são vários. Para além das questões éticas mais evidentes, há o sofrimento psicológico e o desperdício de recursos por parte de quem leva a previsão a sério e, o que pode ser ainda pior, um efeito “Pedro e o Lobo”, em que previsões bem embasadas acabam postas de lado como sendo apenas “mais alarmismo infundado”.

Mais importante do que aquilo que se prevê, é como se prevê: há um desnível grande de credibilidade entre o que dizem vozes desencarnadas, que só uma ou duas pessoas ouvem, e o que determinam as equações da física, por exemplo, cujos resultados podem ser checados por qualquer um.

Uma última palavra sobre “pós-dições”, como se chamam as previsões que só são reveladas depois de o evento se concretizar. Muita profecia religiosa se encaixa nessa categoria – com o texto sagrado sendo (re)interpretado como profético após algum evento que se passe por compatível –, bem como as famosas centúrias de Nostradamus. A maioria das “pós-dições” depende de um forte esforço interpretativo, o que torna difícil, para quem não faz parte de uma cultura já predisposta a aceitá-las, levá-las a sério.

Um tipo aparentemente mais impressionante de pós-dição envolve documentos notariados, cartas registradas, etc., descrevendo em detalhes – e sem necessidade de grandes saltos interpretativos – eventos futuros, mas que também só vêm a público após o evento se concretizar.

A verdade é que proezas assim não provam muita coisa: há décadas que mágicos de várias partes do mundo fazem com que testemunhas rubriquem e selem suas previsões de resultados de loterias ou manchetes de jornais. Quando abertas após a data estabelecida – às vezes, retiradas de cofres bancários, com os lacres ainda intactos – revelam-se surpreendentemente corretas. E tudo não passa de truque.

Num dos feitos mais impressionantes da história da arte, em 1º de setembro de 1938 o mágico canadense Stewart James lacrou, numa caixa de madeira que depois foi posta dentro de uma caixa metálica que teve a tampa soldada, sua previsão para o que seria a manchete dos jornais no ano seguinte. Quando a caixa foi aberta, a previsão dizia: “Ameaça de Guerra Mundial, Alemanha ataca Polônia”. A 2ª Guerra Mundial começou, é claro, em 1º de setembro de 1939, com a invasão da Polônia pelos nazistas.

Fonte: Carlos Orsi (Revista Galileu)

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